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A duração razoável da prisão cautelar e a efetividade da liberdade provisória

Temos acompanhado a jurisprudência dos tribunais pátrios, particularmente a proveniente do Supremo Tribunal Federal. Pode-se concluir pelo surgimento, cada vez mais consolidado, de um novo princípio processual penal, de textura constitucional, embora implícito. Trata-se da duração razoável da prisão cautelar. Não se está mencionando, simplesmente, a duração razoável do processo. Esta, em nosso entendimento, concentra-se no princípio da economia processual, hoje estampado, expressamente, no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Portanto, o princípio da economia processual é válido a todos os cenários (administrativo, civil, trabalhista, militar, eleitoral e, logicamente, penal). Não se cuida de uma exclusividade processual penal. O que emerge mais forte, pois, do bom senso e do equilíbrio de muitos magistrados brasileiros é a percepção de que a prisão é uma exceção; a liberdade do ser humano, a regra. Em especial, essa situação se torna particularmente delicada e sensível quando enfocamos o preso provisório, sem culpa formada, que pode, sem dúvida, ao final do processo, ser absolvido. Quem poderá indenizar, satisfatoriamente, o tempo de prisão cautelar? Aliás, nem sempre é cabível, pois o próprio preso pode ter dado causa à decretação de uma prisão preventiva, por ter, por exemplo, ameaçado as testemunhas. Ainda assim, por pior que tenha sido o seu comportamento, não há sentido em ficar detido, sem culpa formada, meses e meses, quiçá por anos.

Os tribunais começam a consolidar a visão de que a prisão cautelar, com particular zelo, deve ter duração razoável. Aliás, mais que razoável.

O princípio da duração razoável da prisão cautelar decorre, sem dúvida, de outros, que são constitucionalmente explícitos. Advém da interligação dos princípios da presunção de inocência, da estrita legalidade da prisão cautelar e, naturalmente, da economia processual. A junção de tais princípios permite a prisão cautelar, dentro de prazo razoável, para que se respeite, afinal, o devido processo legal.

Sabemos que não há mais prazo de duração em relação à prisão cautelar, exceto quanto à prisão temporária. Decretada a prisão preventiva, por ocasião do recebimento da denúncia, por quanto tempo pode o réu ficar legitimamente preso? Foi-se a época do reconhecimento dos 81 dias. Era uma criação da jurisprudência, mediante a somatória dos prazos ideais para a conclusão da instrução. Atualmente, diante de outra realidade, não mais se torna possível contar, matematicamente, prazos processuais. Pode haver uma fonte de referência os mencionados 81 dias, mas jamais uma linha que não se pode cruzar.

Por isso, cabe ao juiz a cautela de zelar pela razoabilidade do prazo da prisão cautelar, o que os tribunais vêm buscando garantir.

Outro aspecto que nos parece essencial, após reflexão relacionada a matéria de Direito Penal, diz respeito à liberdade provisória. A Constituição Federal preceitua que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (art. 5º, LXVI). Numa primeira leitura, pode-se argumentar ser o legislador ordinário o senhor da liberdade provisória, vale dizer, caberá esse benefício sempre que a lei permitir. Por isso, em tese, poderia a legislação infraconstitucional simplesmente vedar a liberdade provisória, sem dar qualquer fundamento ou sem explorar qualquer requisito a ser preenchido pelo acusado ou indiciado. Esse é o equívoco. Se a Constituição Federal assegura o direito e delega à lei a sua regulamentação é fundamental que o legislador faça a sua parte. Em outros termos, deve a lei fixar os requisitos para que a liberdade provisória possa ou não ser concedida pelo Judiciário, mas não pode exterminar o direito. Se o fizer, a norma constitucional, de conteúdo garantista, terá soçobrado.

A reflexão de Direito Penal que nos levou a esse entendimento liga-se ao princípio da individualização da pena. “A lei regulará a individualização da pena…” (art. 5º, XLVI, CF, com grifo nosso). Ora, significa que haverá a individualização, muito embora nos termos legais. Como será feita, quais os requisitos, em que bases e critérios: conforme a lei. O que não se pode tolerar é, singelamente, a extirpação da individualização, como foi feito pela Lei 8.072/90, ao estabelecer o regime fechado integral para condenados por crimes hediondos e assemelhados. Sabendo-se que regime de cumprimento de pena é, igualmente, parte da individualização judiciária da pena (vide art. 33, § 3º, CP), não se pode padronizar: será integralmente fechado. O Supremo Tribunal Federal proclamou a inconstitucionalidade dessa vedação, em fevereiro de 2006, e a Lei 11.464/07 corrigiu o ponto, permitindo a progressão.

Na mesma ótica, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do art. 21 da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), por entender não ser razoável a pura e simples proibição da liberdade provisória.

De fato, essa nos parece ser a busca a ser empreendida no cenário do aguardado Estado Democrático de Direito.